DEVANEIO
Eu sou o cara de grandes amores e simples desamores.
Da
entrega total e da retração repentina; dos sonhos ilimitados e das decepções
comuns. Aquele que esquece de si mesmo e mergulha no que acredita, até que
um choque o desperta.
Eu sou o que sente a plenitude da felicidade e o vazio da mágoa; que vive os mais
lindos momentos de amor e o mais sofrido sentimento de saudade. Aquele que tem
tudo e nada tem.
Sou
o homem que se derrama em carinho e aquele que se encolhe em si mesmo, com a
alma ferida; sou o que sente a doçura da companhia e o peso esmagador da
solidão.
Sou
a alegria que faz rir, e a confiança que faz acreditar; mas também sou a dor
que ensina e a descrença que magoa. Sou o sorriso que brilha na boca e a
lágrima que se esconde.
Sou
o anjo por trás dos raios brilhantes do sol e o monstro que vaga na escuridão
da noite. O mago que agita a varinha brilhante e o bruxo que cavalga a vassoura, conjurando maldições.
Eu sou o sonho não sonhado e o despertar que ainda não chegou. Sou o companheiro
perfeito e o pior de todos eles; o homem que vaga entre a luz e as trevas, o
sim e o não.
Sou
a música mais linda, que espera para ser composta; e o silêncio fúnebre que
paira sobre o campo juncado de cadáveres, após a batalha. Sou a vida e a morte,
a chegada e a partida.
Na
verdade, nem sei o que sou; nem mesmo se algum dia cheguei a ser. Sou o que
vive por alguém e não percebe que se torna ninguém. Sou a flor que perfuma o ar
por um tempo breve.
Sou
a nuvem que o vento desfaz, antes que se torne chuva; a semente que não
consegue germinar, sufocada sob a terra,. O bebê que sonhou com o futuro,
mas não chegou a nascer.
Sou
a força da esperança e o calafrio do desânimo, o príncipe encantado e o ogro
assustador; tenho a firmeza de uma raiz e sou leve como a pluma que voa, levada
pela brisa amena.
Sou
o garoto que acredita, e o velho que espera o fim. Sou fim e começo; a vida após a morte e a morte em vida. O sangue que corre sob a carne e a alma que
sangra quando vem a dor.
Vejo
a finitude do homem e o Infinito em Deus. A fé que se encontra na alma e a
descrença que permeia as religiões; assisto aos rituais pomposos e rio dos
dogmas que ocultam dúvidas.
Vejo
igrejas lotadas de gente, onde tento sentir a força de Deus. Mas a encontro na flor que se abre em botão, na água que mina da pedra, na natureza que pulsa e
vive à minha volta.
Sou
lúcido e louco.
Eu sou. Nós somos.
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