CONTRASTES

 


Há uma parte de mim, que é profundamente mística.

E outra que faz questão de ser inteiramente cética. Uma parte que acredita na alma e nos anjos, no bem e no espiritual; e outra que zomba dessas crenças e, às vezes, só enxerga o que há de ruim no homem.

Uma parte de mim acredita que vale a pena seguir os sonhos; que eles são o único caminho que pode levar à felicidade. Mas outra parte ri dessas esperanças e só se contenta com o que pode pegar e tocar.

Uma parte de mim é feliz; acorda sorrindo, em cada dia, e mantém a confiança no futuro, apesar de vê-lo cada vez mais curto. A outra se angustia, ao lembrar que os dias são contados e não me restam muitos.

Tenho uma parte que chora com facilidade, ao ouvir músicas bonitas, ou assistir a filmes sentimentais. Mas também abrigo outra parte, que finge ignorar a insanidade da guerra e todo o sofrimento que traz.

Vive em mim a criança, que brinca feliz e corre pelos campos floridos da mente e da vida; mas existe também o velho, que relembra as agruras passadas e prefere manter lentos os passos que ainda dá.

Acredito na magia de mãos entrelaçadas; de olhos e almas que se encontram. Mas, às vezes, não posso evitar a certeza de que um dia se separarão; porque o tempo faz brotar flores, mas também as faz cair.

Eu sou o palhaço que ri, ou a carpideira que chora; tudo depende do instante e do lugar. Sou aquele que agradece à vida, mas não está livre de sentir o seu peso sobre os ombros, que se curvam nessas horas.

Sou o poeta que canta o amor e aquele que, às vezes, preferiria não o conhecer; porque o amor que nos liberta é o mesmo que nos torna dependentes de alguém, que passa a constituir o nosso mundo.

Vivo entre a canção e o silêncio; o desapego e o egoísmo; o alvorecer do entusiasmo e o crepúsculo do desânimo; a força do filho e o cansaço do pai. O choro de quem nasce e o suspiro de quem se vai.

Sou o deserto e o oásis; a flor e o espinho, a lama do chão e as nuvens que esvoaçam no céu. Sou o beija-flor, que suga o mel e espalha o pólen; e o gavião que mergulha, de repente, sobre a presa desatenta.

Sim: eu sou um poço de contrastes, como cada um de nós; um paradoxo ambulante, capaz dos gestos mais sublimes e mais torpes. Sou a verdade e a mentira; aquele que oferece o braço, ou nega a mão.

É assim que todos somos: parecidos, mas diferentes, como os dedos de uma mão; e, como eles, trabalhando sempre em conjunto. É das nossas fraquezas que surgem as nossas forças; das dúvidas, que vêm as certezas.

O que nos torna pequenos é aquilo que nos pode fazer grandes; os sonhos nos incentivam, as desilusões nos ensinam; o amor e o ódio nos trazem felicidade e sofrimento; somos finitos, mas podemos deixar a nossa marca.

E é assim que vencemos o tempo.

Vídeo

Comentários

  1. Flavio,
    Realmente eu precisava ler
    um texto dessa grandeza.
    Ando me questionando muitas
    coisas e muito mais
    atos de pessoas .
    Os atos e as palavras não batem.
    E você me trás esse texto que
    expõe os dois lados de gente
    como eu por exemplo que fico
    nessa dúvida entre o acreditar
    e me tornar cética mas só
    no ramo de gente.
    Porque o que creio é inegociável
    e nela para mim não há senão.
    Triste fico quando quem não crê
    zomba de quem crê.
    Não é seu caso, deixo claro.
    Seu texto é um Espelho que
    deveríamos todos nos olhar ,
    nem que fosse de vez em quando.
    Obrigada por essa oportunidade
    de fechar minha sexta feira.
    Ótimo fim de semana pra nós.
    Bjins e Abraço em Você
    e na sua Bela Musa.
    CatiahôAlc.

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  2. Ah Flavio,
    Esqueci de deixar registrado
    que o vídeo é perfeito!
    Nada melhor que
    Raul . Viva Raul!

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  3. Profundo reflexión. La vida hay que aprovecharla. Te mando un beso.

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