EU E O GAROTO

Setenta anos me separam do garoto na parede, acredito.

Na ocasião dessa foto, eu devia ter uns 6 anos. E ainda hoje me faz bem ver aquele sorriso meio desdentado, não tão bonito e nem tão largo; mas cheio de expectativa, curiosidade e confiança.

Muitos anos se passaram, desde aquela época. Como no dizer popular, “muita água correu debaixo da ponte”; e às vezes me pego pensando sobre  coisas que aconteceram nesse tempo.

Desde quando começam as minhas lembranças, fui um garoto frágil, tímido e de saúde complicada; isso me levou ao mundo encantado dos livros, onde vivia todas as minhas aventuras.

Lembro que eu era meio gago; sem qualquer causa física, foi o que disseram os médicos aos quais minha mãe me levou. Hoje, acredito que fosse insegurança; ainda fico meio gago, quando nervoso.

Mas fui crescendo e descobri o futebol; o primeiro limão que virou limonada. Eu era tão ruim de bola, que só jogava se fosse no gol. Acabei ficando um bom goleiro, e por isso me tornei popular.

A escola, depois o colégio militar. Nova rotina, muitas novas descobertas; descobri uma ótima memória e muita facilidade para escrever. A vida mudou, mas a timidez e o gosto pelos livros continuavam.

A primeira namorada; mãos entrelaçadas, os primeiros beijos. Sentimentos que eu só conhecia dos livros e tomavam forma. Os primeiros poemas; a necessidade de escrever, de contar as minhas emoções.

Outras namoradas vieram; e outros aprendizados na vida. Os concursos públicos e as aprovações; a ida para o Baneb e, depois, o Banco do Brasil. Novas cidades, a vida em pensões.

(Aqui, a dúvida: ainda existem pensões? Acho que eram a versão antiga do que hoje chamamos “hostel”: hospedagens baratas, onde às vezes dividíamos quartos com outras pessoas.)  

A responsabilidade por mim mesmo, aos 19 anos; aprender a lidar com dinheiro, a ocupar o meu lugar no mundo, a tornar-me um “cidadão”, seja lá o que for isso. Ainda não sei se sei direito.

Casamento, filhos; maturidade. Uma criança criando outras crianças. Não sei se fiz bem as coisas, mas de algo tenho certeza: sempre fiz com amor e dedicação, buscando o melhor para os meus filhos.

Tenho publicado muitas coisas sobre mim. Acho que a velhice traz isto: uma espécie de auto avaliação; uma análise do caminho percorrido. Será que, enfim, estou aprendendo a conversar comigo? 

Não sei. Mas, às vezes, gosto de deitar na minha cama e ficar olhando para o garoto na parede; pensando no que fui e no que sou. Revendo a minha caminhada, lembrando de momentos que vivi.

E, sinceramente, gosto da vida que levei e do que ela me trouxe.

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